Senta que lá vem história, senão você perde o trem!
É isso mesmo, deste lugar partiram muitos "trens das onze", e eu via e ouvia eles todos os dias com uma pontualidade britânica. Por mais estranho que possa parecer houve um tempo em que tudo parecia perfeito. Passei toda minha infância no bairro do Santa Odila, montado em lombo de cavalos, jogando futebol em rua de terra ou rodando peão e jogando bolinhas de gude. A rua Engenheiro Augusto Figueiredo, rua onde eu morava, não era qualquer uma, ela era nada menos que a estrada velha de Valinhos. Minha casa era a de número 1.175, esse era o nosso endereço. Nossa casa era no porão ou na casa de baixo, como queiram, da casa do "seo" Arlindo Medina que era casado com a dona Maria, mas depois eu falo do seo Arlindo. A fábrica Swift, onde hoje é o Hipermercado Extra, também ficavam na "minha" rua e o Matarazzo, onde hoje é Condomínio Ana Paula, ficava uma ao lado da outra. E ainda tinha a linha férrea algumas ruas abaixo, logo depois do Formigueiro 18, comunidade do lugar onde malandro era malandro é mané era mané. Estou dizendo tudo isso pra, na verdade, falar um pouco da Estação Cultura (antiga Fepasa). Muita gente pode não acreditar, mas eu andei de trem em Campinas, e não foram poucas vezes não. Minha última viagem de trem ficou gravado em minha memória. O destino era a capital, São Paulo. Na época, eu devia ter entre 16 ou 17 anos. Meu companheiro de viagem era meu pai, Bertão, era assim que ele gostava de ser chamado. Eu estava me alistando na Marinha do Brasil e a inscrição tinha que ser feita em São Paulo. Não sei porque, eu encanei que queria ser marinheiro. Talvez tenha sido influenciado pela propaganda das Forças Armadas que era fortíssima naquela época, anos difíceis que tinham até uma campanha "Brasil ame-o ou deixe-o". Mas voltando à Estação, embarcamos, é claro, no trem das onze. Esse trem na verdade era conhecido como Litorina (era uma espécie de trem chique para a época, todo modernozo e mais rápido que os demais. E o seo Arlindo, meu vizinho, era o maquinista da tal Litorina. Imaginem vocês o maaaaaaaquiiiiiiniiiiiiiista da Litorina era o meu vizinho. Seo Arlindo usava a farda da Fepasa com um quepe na cabeça identificando a companhia. Lembra quando eu disse que via e ouvia todos os dias o trem das onze? Não era a música não, era o próprio. Pois é, toda vez que o vizinho maquinista passava por lá com a Litorina ele apitava para a dona Maria e recebia um aceno e um sorriso da mulher. Com o "apito" todo mundo já sabia que a hora do almoço estava chegando, muitas mães estavam preparando seus rebentos, pois também era hora de ir para a escola. Nesse dia que estávamos indo pra Sampa Seo Arlindo apitou várias vezes e forte, quando passamos perto de casa, atendendo a um pedido meu e do meu pai para que pudéssemos ver minha mãe, Dona Cida (uma guerreira), acenando com uma toalha me desejando boa sorte. Essa imagem é doce e marcante para mim. Desta vez eu não estava vendo o trem passar eu estava passando com ele. Para encurtar a história, minha vontade em ser marinheiro acabou sem na verdade nunca ter começado. Mas toda vez que vou até a Estação Cultura relembro essa história que hoje compartilho com vocês. Nessa quarta feira 11 de dezembro de 2014, foi dia de matar a saudade de tudo isso. Minha pauta era registrar e Estação toda iluminada com luzes de Natal, e como vocês podem ver, ela esta linda. Enquanto fotografava, por alguns segundos tive a sensação de me ver com meu pai entrando por aquela porta, para pegar o trem das onze. Hoje minha única certeza é que o seo Arlindo não apita mais a Litorina e o trem das onze também não passa mais. Nessa maravilhosa Estação, hoje, tem gente que espera pelo trem, que nunca vem. "E a plataforma dessa Estação é a vida desse meu lugar!"
Maravilha está recordação. Amei
ResponderExcluirQue texto delicioso! parece que estou vendo o "Bertão e o Carlinhos" passando no trem "do seo Arlindo" e a dona Cida acenando feliz. Valeu!
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