sábado, 11 de abril de 2015

Menos três no Cambuí (10/04/2015)








Meu primeiro contato com a fotografia foi em 1973, quando fui trabalhar no Studio Eurydes aqui em Campinas, que ficava na Rua General Osório, 1173. Naquela época, não existiam fotos em cores, quem se encarregava de colorir os retratos das personalidades campineiras, era o senhor Aldo Cardarelli, mais que um pintor, na minha modesta avaliação um verdadeiro gênio dos pincéis e infelizmente esquecido por essa cidade. Prefeitos, vereadores, juízes, médicos, arcebispos, e tantas outras pessoas importantes não só de Campinas, mas de toda a região ficavam coloridas pelas mãos desse artista. Outro gênio, esse da fotografia, era o senhor Gumercindo que retratava a nata da sociedade. Eu era encarregado da faxina, mas quando ele "seo Gumercindo" me deixava ver o seu trabalho no Studio, eu ficava ali admirando e contemplando como ele brincava com as luzes. 
As fotografias eram feitas em chapas de vidro no tamanho 13x18cm que depois de reveladas eram ampliadas no tamanho 50x60cm, retocadas e depois de prontas eu me encarregava de levar esses retratos para o "seo" Aldo Cardarelli, que transformava as fotos em P&B em verdadeiras obras de arte. Tudo isso pra falar da forma que conheci o bairro Cambuí na cidade de Campinas, que hoje é considerado o mais charmoso da cidade. O pintor morava próximo ao Tênis Clube. Eu saia com as fotos muito bem embaladas e protegidas e com muitas recomendações para tomar cuidado. Às vezes, eu subia pela Rua General Osório, outras vezes pela Rua Barreto Leme. Não era uma caminhada curta, mas isso não me incomodava. Lembro que eu andava pelas ruas do Cambuí como se o bairro fosse meu. Naquelas tardes ensolaradas, nas ruas de paralelepípedos, mas com poucos automóveis eu levava o dobro do tempo para chegar no ateliê do Cardarelli. Eu andava assoviando e admirando todos aquelas mansões e seus casarões maravilhosos. Bem diferente da realidade onde eu vivia lá no bairro Santa Odila, e próximo ao Formigueiro 18, que era a comunidade dos anos 70. Quando chegava a casa do pintor era sempre recebido pela esposa dele, a Dona Maria, que nunca me deixava ir embora antes de me servir limonada acompanhada de generosos pedaços de bolo. A limonada era servida já doce em uma jarra de vidro transparente com muitas pedras de gelo e eu ficava ali no ateliê do "seo" Cardarelli comendo e me refrescando. Eu não falava nada, apenas ficava olhando aquela sala cheia cheia de cores e de vida, observando o preto e branco ganhando cores com tintas a óleo. Devorava dois pedaços de bolo com dois copos daquela limonada refrescante, e quando eu saia ela sempre me entregava um pacotinho (outro pedaço de bolo), e alguns trocados. Eu voltava devorando o bolo por um caminho diferente e admirando os casarões do bairro, do "meu" bairro. Pois bem, ontem, dia 10 de abril de 2015, subindo pela Rua Barreto Leme, quase não acreditei no que vi. Pedi ao Marcelo motorista que parasse o carro e desci para ver de perto o que estava acontecendo. Alguns daqueles casarões estão sendo demolidos. Pedi ao zelador de um prédio próximo para subir em um dos apartamentos para registrar uma foto lá de cima e mostrar um pouco da história de Campinas que está indo embora. Um dos moradores do prédio me autorizou a registrar essas fotografias que compartilho aqui com vocês. Aqueles mesmo casarões que nos anos 70 eu admirava  nas minhas caminhadas estavam ali destruídos diante dos meus olhos, abrindo caminho para mais um arranha céu. Nem sei se vai ser prédio mas aposto todas as minhas fichas nisso. Menos três no Cambuí, este é o título. Lá de cima enquanto fazia as fotos me deu uma tristeza imensa,  fiquei com "aquele" nó na garganta que a gente sabe como é. Pior do que ver aqueles casarões demolidos foi ter a certeza que eu estava sendo subtraído da minha infância E isso, 
meus amigos, não tem preço. Bom dia Campinas!

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